sábado, 18 de fevereiro de 2012

Fantasmas, Farmácias & Cª Lda


Detesto pessoas chatas. Comummente não respondo aos insonsos “porquês” relativos a esta questão, mas a parcela social do meu dia culminou com uma situação que, de sobremaneira chata, se despontou irritante.
Após um dia de trabalho de cocó com um titânico e quadrado “M”, entrei na farmácia da esquina para me prover dumas milagrosas drageias de ibuprofen não genérico, as quais me viriam a salvar de mais um dia de labuta com os sentidos tão embotados quanto um nipónico recém-nascido após três shots de aguardente de figo. Abro a porta e logo me deleito com a tepidez aromática própria duma farmácia nesta altura do ano. Num ímpeto, sou resgatado para a realidade, embaraçosamente petrificado pelo olhar inquiridor da funcionária que me vendeu umas Drill e uns Maxilases no dia anterior. Por sorte, o balcão mais próximo da porta tinha apenas por uma moça luso-africana sendo atendida por um funcionário “com um ar estranho”, refreando aquele mordaz olhar para o par de velhotes que formavam fila à sua frente. O ancião altivo tinha ar de quem ia demorar com uma qualquer fanfarronice cultural. A idosa tremia que nem varas verdes e parecia confusa com todo o ambiente envolvente, qual cocktail sintomático de Parkinson e Alzheimer. Tudo isto me deixava uma perspectiva entusiasmante, até me aperceber que aquela pantera negra de carapinha desfrisada – qual juba de pez – e unhas de gel brancas com arabescos rosa era, não mais nem menos, que uma chata. Socialmente são pessoas atrozes, a evitar por qualquer um, como todos o sabemos.
A Pantera queria algo como Clapil. O Abixanado disse que não conhecia mas que ia pesquisar na base de dados. Tentei manter-me calmo.
O Abixanado questionou se o nome do medicamento era mesmo Clapil. A Pantera reafirmou. Olhei para o tecto.
A Pantera começou a remexer na mala que trazia a tiracolo. O Abixanado sugeriu, segundo os resultados da pesquisa, um tónico capilar Aclapil. A Pantera lançou-se numa verborreia, confusa. Olhei para os lados e soprei, pela primeira vez.
Voltando a referir o fármaco, o Abixanado informou que não tinha em stock mas que poderia mandar vir, presumia. A Pantera retirou o telemóvel de ecrã táctil AEG da mala e, dedilhou algo, colocando-o ao ouvido. O Abixanado confrontou a colega do balcão ao lado sobre a situação do Aclapil. A Velhota Vara-Verde recolhia o avio, colocando-o na mala, ao segurar trepidamente o cajada debaixo dum braço. Enquanto a mala ia escorregando, a idosa perscrutou o balcão de atendimento num trejeito que parecia objectivar a confirmação de que nada tinha ficado atrás. A Olhos de Coruja também era da opinião de que poderiam encomendar as ampolas em questão. A Pantera desligou a chamada, sem efeito. A Velhota Vara-Verde agradeceu e sai. Enquanto me desviei para esta passar, autoflagelei-me perante o incrementar da probabilidade de ser atendido por aquele olhar opressor.
A Pantera voltou a tentar a chamada. Desta vez com efeito, questionava uma amiga sobre o tal de Clapil. Do outro lado estava quem, aparentemente, tinha problemas capilares nesta saga – o que era óbvio, observando a juba da Pantera – e que por seu lado confirmou o Aclapil. A Olhos de Coruja estava a mostrar ao Duque da Bazófia que apenas tinham Fluocaril com branqueador em embalagem pequena, enquanto este girava entre os dedos um frasco de Eno de laranja. Revirei os olhos e voltei a bufar.
Desligando o telemóvel, a Pantera solicitou o já famigerado Aclapil. O Abixanado disse que ia fazer a requisição, teclando no computador à sua frente. O Duque da Bazófia sacava dum dito “Cartão de Sócio de Não-sei-d’aonde-e-o-que-quer-que-tinha-a-ver-com-a-farmácia” e pagou. Para mal dos meus pecados, o Abixanado encaminhou-se para as traseiras da farmácia, qual pomada anti-situação-social-bizarra-sob-olhares-inquisitivos. Ironicamente, a Olhos de Coruja entoou um “Próximo. Boa tarde.” surpreendentemente simpático. Devolvi a saudação e preparei a bomba. “Era uma embalagem de Brufen, se faz favor.”. Qual banana oferecida a um chimpanzé endoidecido, a Olhos de Coruja devolveu-me um sorriso empático e fez-me o avio sem percalços. Ao sair, cruzei-me com a Pantera. Sim, só agora é que ela ia sair. Não, ela não levou tónico capilar nenhum.   
Ponderei que se isto se passasse “À da Nelinha” tudo seria hilariante com toda a reconfortante cacofonia e alusões familiares a algum acontecimento recentemente caricato da terriola. Alguém teria voltado a tentar testar as câmaras do francófono Hipermercado dos Cruzados de Chapéus Vermelhos? A filha de quem – que parece que ainda ontem era uma criança – é que entrara para a universidade? Um novo lobisomem teria chegado à vila? Nesta vila-fantasma, tudo é possível.    


Hilário Epopei’ da Alva

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