Detesto
pessoas chatas. Comummente não respondo aos insonsos “porquês” relativos a esta
questão, mas a parcela social do meu dia culminou com uma situação que, de
sobremaneira chata, se despontou irritante.
Após um dia de trabalho de cocó com um titânico e quadrado “M”, entrei na
farmácia da esquina para me prover dumas milagrosas drageias de ibuprofen não
genérico, as quais me viriam a salvar de mais um dia de labuta com os sentidos tão
embotados quanto um nipónico recém-nascido após três shots de aguardente
de figo. Abro a porta e logo me deleito com a tepidez aromática própria duma
farmácia nesta altura do ano. Num ímpeto, sou resgatado para a realidade,
embaraçosamente petrificado pelo olhar inquiridor da funcionária que me vendeu
umas Drill e uns Maxilases no dia anterior. Por sorte, o balcão mais
próximo da porta tinha apenas por uma moça luso-africana sendo atendida por um
funcionário “com um ar estranho”, refreando aquele mordaz olhar para o par de
velhotes que formavam fila à sua frente. O ancião altivo tinha ar de quem ia
demorar com uma qualquer fanfarronice cultural. A idosa tremia que nem varas
verdes e parecia confusa com todo o ambiente envolvente, qual cocktail sintomático
de Parkinson e Alzheimer. Tudo isto me deixava uma perspectiva
entusiasmante, até me aperceber que aquela pantera negra de carapinha
desfrisada – qual juba de pez – e unhas de gel brancas com arabescos rosa era,
não mais nem menos, que uma chata. Socialmente são pessoas atrozes, a evitar
por qualquer um, como todos o sabemos.
A Pantera queria algo como Clapil. O Abixanado disse
que não conhecia mas que ia pesquisar na base de dados. Tentei manter-me calmo.
O Abixanado questionou se o nome do medicamento era mesmo Clapil.
A Pantera reafirmou. Olhei para o tecto.
A Pantera começou a remexer na mala que trazia a tiracolo. O Abixanado
sugeriu, segundo os resultados da pesquisa, um tónico capilar Aclapil.
A Pantera lançou-se numa verborreia, confusa. Olhei para os lados e
soprei, pela primeira vez.
Voltando a referir o fármaco, o Abixanado informou que não tinha
em stock mas que poderia mandar vir, presumia. A Pantera retirou
o telemóvel de ecrã táctil AEG da mala e, dedilhou algo, colocando-o ao
ouvido. O Abixanado confrontou a colega do balcão ao lado sobre a
situação do Aclapil. A Velhota Vara-Verde recolhia o avio,
colocando-o na mala, ao segurar trepidamente o cajada debaixo dum braço.
Enquanto a mala ia escorregando, a idosa perscrutou o balcão de atendimento num
trejeito que parecia objectivar a confirmação de que nada tinha ficado atrás. A
Olhos de Coruja também era da opinião de que poderiam encomendar as ampolas
em questão. A Pantera desligou a chamada, sem efeito. A Velhota
Vara-Verde agradeceu e sai. Enquanto me desviei para esta passar, autoflagelei-me
perante o incrementar da probabilidade de ser atendido por aquele olhar
opressor.
A Pantera voltou a tentar a chamada. Desta vez com efeito,
questionava uma amiga sobre o tal de Clapil. Do outro lado estava
quem, aparentemente, tinha problemas capilares nesta saga – o que era óbvio,
observando a juba da Pantera – e que por seu lado confirmou o Aclapil.
A Olhos de Coruja estava a mostrar ao Duque da Bazófia que apenas
tinham Fluocaril com branqueador em embalagem pequena, enquanto este
girava entre os dedos um frasco de Eno de laranja. Revirei os olhos e
voltei a bufar.
Desligando o telemóvel, a Pantera solicitou o já famigerado Aclapil.
O Abixanado disse que ia fazer a requisição, teclando no computador à
sua frente. O Duque da Bazófia sacava dum dito “Cartão de Sócio de
Não-sei-d’aonde-e-o-que-quer-que-tinha-a-ver-com-a-farmácia” e pagou. Para mal
dos meus pecados, o Abixanado encaminhou-se para as traseiras da
farmácia, qual pomada anti-situação-social-bizarra-sob-olhares-inquisitivos.
Ironicamente, a Olhos de Coruja entoou um “Próximo. Boa tarde.” surpreendentemente
simpático. Devolvi a saudação e preparei a bomba. “Era uma embalagem de Brufen,
se faz favor.”. Qual banana oferecida a um chimpanzé endoidecido, a Olhos de
Coruja devolveu-me um sorriso empático e fez-me o avio sem percalços. Ao
sair, cruzei-me com a Pantera. Sim, só agora é que ela ia sair. Não, ela
não levou tónico capilar nenhum.
Ponderei que se isto se passasse “À da Nelinha” tudo seria hilariante com
toda a reconfortante cacofonia e alusões familiares a algum acontecimento recentemente
caricato da terriola. Alguém teria voltado a tentar testar as câmaras do francófono
Hipermercado dos Cruzados de Chapéus Vermelhos? A filha de quem – que
parece que ainda ontem era uma criança – é que entrara para a universidade? Um
novo lobisomem teria chegado à vila? Nesta vila-fantasma, tudo é possível.
Hilário
Epopei’ da Alva
Magnifico, é a unica coisa que tenho a dizer sobre isto.
ResponderExcluirLindo!
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